Publicado em: sexta, 02 de abril de 2021 às 12:01
“É importante mantermos acesa a chama da fé”
Momento de sofrimento deve ser superado com solidariedade
O sofrimento de Jesus Cristo é lembrado especialmente nesta Sexta-Feira Santa. Mas diante da pandemia do coronavírus, este martírio se revela com grande intensidade. “A pandemia, embora também sendo um sofrimento, não tem o mesmo sentido salvífico que o sofrimento de Jesus. A pandemia deve ser enfrentada com o conhecimento que Deus nos deu, e nos fez desenvolver a ciência” afirma Oscar Miguel Lehmann, teólogo e mestre em educação, pastor na Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Gramado – IECLB.
Na opinião dele, “nestes tempos um tanto conturbados, é importante mantermos acesa a chama da fé. Porque a fé não é mérito ou consquista nossa, é obra de Deus. E pela fé, somos conduzidos à esperança. Mesmo que não tenhamos possibilidades de celebrar presencialmente, mesmo que nossos centros comunitários e templos parecem perder certa utilidade, a fé há de permanecer. E , por isso, podemos desejar uma Feliz Páscoa todo dia.”
Qual o ensinamento que a Morte e Ressurreição de Jesus nos ofereceu?
Oscar Lehmann - Podemos entender a morte e ressurreição de Jesus em dois aspectos: o histórico e o teológico. Historicamente, podemos falar da morte de Jesus na cruz como uma execução, pena de morte. A crucificação era a pena de morte imposta pelo Império Romano a todos que julgava perigosos e críticos. Nesse sentido, ocorriam muitas crucificações, especialmente dos considerados líderes de rebeliões contra o Império. No caso de Jesus, ele foi denunciado pelos líderes religiosos da época, que viam nEle uma ameaça. O texto bíblico assim se expressa: “muitos judeus estava abandonando seus líderes e crendo em Jesus” (Evangelho de João 12.11). Mas, era necessário encontrar um motivo para a crucificação. Este motivo foi colocado na cruz, na abreviatura que hoje vemos na inscrição INRI – Jesus de Nazaré Rei dos Judeus (iniciais em latim). Ou seja, este foi condenado porque ousou querer ser rei.
O aspecto teológico é mais profundo. Tem a ver com toda humanidade. Jesus não pode ser identificado apenas como um líder popular, que eventualmente ansiava ser rei. Várias vezes ele alerta os discípulos a esse respeito. O seu propósito é resgatar a humanidade da sua condição de pecado e proporcionar a reconciliação do ser humano com Deus. A cruz, e a consequente morte, não deveriam mais existir e, Jesus, ao assumir a condição humana, entrega-se à morte para vencê-la. Nesse sentido, a cruz pode nos servir de espelho, onde vemos refletida toda a maldade humana. Ao mesmo tempo, no entanto, a cruz nos espelha também a misericórdia e o amor de Deus. Ao entregar-se à morte e vencê-la, Jesus dá infinita demonstração de amor pelo ser humano. Entrega-se à morte para nos presentear a vida. A morte que o ser humano (nós) deveria sofrer, Jesus sofre em nosso favor. E por isso, a vida, o ensinamento, o sofrimento e a morte de Jesus recebem outro significado a partir da Ressurreição, na Páscoa. A semana Santa nos coloca na compreensão da vida humana, de um lado a maldade, o pecado, de outro lado, a possibilidade de vida por causa do amor de Deus que nos resgata para a sua eternidade.
A humanidade compreendeu este sacrifício? Quais os exemplos desta incompreensão?
Oscar Lehmann - Penso que a humanidade está simultaneamente no caminho da compreensão e incompreensão do sacrifício de Cristo. Esta afirmação parece de duplo sentido? Talvez sim, vejamos: o ser humano pode ser surpreendente. Promove ações que demonstram seu apreço de amor e valorização da vida. Pode ser solidário, amoroso e abnegado do seus interesses em favor do seu semelhante. Mas, por outro lado, pode ser muito cruel. Muitas vezes percebemos pessoas cometendo crueldade das quais jamais esperaríamos uma tal atitude. Aqui está um sinal da incompreensão do sacrifício de Jesus Cristo. Em resumo, cada vez que alguém quer se sobrepor ao seu semelhante, em atitude de desprezo pela vida, podemos dizer que o sacrifício de Cristo ainda não foi plenamente compreendido. Estamos nessa caminhada e Deus quer oportunizar, sempre de novo, para que todo ser humano aceite o sacrifício de Cristo e mude de vida, deixando de lado toda ação que promova o afastamento da vontade divina.
E a Ressurreição nos deixa que recado?
Oscar Lehmann - Costumo dizer: “avante povo da Ressurreição, a vida venceu a morte”. Ou seja, aquilo que nos foi concedido por Jesus Cristo, nos faz andar na esperança. O amor de Deus nos faz pertencer a Ele e nada precisamos temer, nem mesmo a morte. Nesse sentido, somos novas criaturas e chamados para a nova vida. A Ressurreição nos faz olhar em direção à esperança e deixa de lado tudo que não promove a dignidade de vida. Ao pertencermos a Cristo, somos pessoas que não caminham mais para a morte, mas sim, passamos pela morte para a vida eterna. Em Jesus, a morte não tem mais a última palavra. Na cruz, a morte violenta, como expressão da maldade humana, perde o sentido. Assim, o recado da Ressurreição é uma denúncia a qualquer forma de violência, agressão e desvalorização da vida e uma palavra de ânimo para construção de nova vida.
Podemos fazer uma relação entre o sofrimento de Jesus Cristo e o sofrimento das pessoas hoje em decorrência da pandemia? Qual?
Oscar Lehmann - A pandemia nos trouxe grandes desafios e nos faz pensar sobre o sentido da vida e de todas as coisas que temos e construímos. O sofrimento de Cristo foi fruto de uma atitude violenta, promovida por seres humanos. A pandemia, que não foi a primeira no mundo, é a manifestação de um vírus, contra o qual não temos defesas (pelo menos não tínhamos no começo). Não deixa de ser uma forma de morte violenta. Desafia a nossa inteligência e nos confronta com nossa fragilidade. Não temos o direito de estabelecer julgamentos. Facilmente, queremos encontrar culpados. O sofrimento de Cristo na Cruz, apesar da maldade humana, teve um propósito divino, qual seja, resgatar a humanidade. A pandemia, embora também sendo um sofrimento, não tem o mesmo sentido salvífico que o sofrimento de Jesus. A pandemia deve ser enfrentada com o conhecimento que Deus nos deu, e nos fez desenvolver a ciência. Se é que pode haver uma relação entre o sofrimento de Cristo e os sofrimentos de hoje, também os vindos da pandemia, é a necessidade do amor de Deus. Em Cristo, esse amor se manifestou diretamente na ressurreição. Na pandemia, como pessoas que creem em Deus, o amor deve se manifestar, através de nós, em solidariedade e cuidado pela vida.